555-555-5555
contato@stivelcarvalho.adv.br
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou nula a alteração de beneficiária em um contrato de seguro de vida em grupo, realizada por um segurado que, em acordo de divórcio homologado judicialmente, comprometeu-se a manter a ex-esposa como única beneficiária do contrato.
De acordo com o colegiado, ao se comprometer nesse sentido, o segurado abdicou do direito de alterar livremente a lista de beneficiários, garantindo à ex-esposa o direito condicional (em caso de morte) de receber o capital segurado.
No mesmo julgamento, os ministros entenderam que o pagamento efetuado a credores putativos – ou seja, aparentes – não poderia ser validado no caso específico, uma vez que a seguradora agiu de forma negligente ao não verificar corretamente quem possuía o direito legítimo ao benefício.
Na origem do processo, a ex-esposa moveu uma ação contra a seguradora para anular a nomeação de novos beneficiários no seguro de vida deixado pelo ex-marido falecido. Ele havia modificado a apólice após um segundo casamento, excluindo-a da lista de beneficiários.
No processo, a mulher demonstrou que, no acordo de divórcio homologado judicialmente, o segurado havia se comprometido a mantê-la como a única beneficiária do seguro de vida em grupo do qual participava.
A sentença de primeira instância foi desfavorável à ex-esposa, com o juiz considerando que a seguradora agiu de boa-fé ao pagar a indenização aos beneficiários registrados na apólice, não podendo ser responsabilizada pela conduta do segurado.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou essa decisão, determinando que a ex-esposa deveria receber a indenização. O TJPR fundamentou sua decisão no acordo de divórcio, que tornava ilícita a exclusão da mulher como beneficiária do seguro.
Recorrendo ao STJ, a seguradora alegou que o pagamento realizado por um terceiro de boa-fé a um credor putativo é válido, e, portanto, não poderia ser responsabilizada por seguir o disposto na apólice, que aparentava estar em conformidade legal.
Segundo o relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o artigo 791 do Código Civil permite ao segurado substituir os beneficiários do contrato de seguro de vida, salvo se a indicação for vinculada à garantia de alguma obrigação ou se o próprio segurado tiver renunciado a essa faculdade.
Nesse contexto, caso o segurado renuncie ao direito de substituição do beneficiário, ou se a indicação não for gratuita, o favorecido deve permanecer o mesmo durante toda a vigência do seguro de vida. O ministro explicou que, nessa situação, o beneficiário possui não apenas uma mera expectativa de direito, mas um direito condicional de receber o capital contratado, que se concretiza com a morte do segurado.
No caso específico, devido ao acordo homologado judicialmente, em que havia a obrigação de manter a ex-esposa como beneficiária exclusiva do seguro de vida, o ministro Cueva entendeu que o segurado, ao não observar a restrição imposta à sua liberdade de indicação e alteração do beneficiário no contrato de seguro de vida, desrespeitou o direito condicional da ex-esposa.
Dessa forma, a nomeação na apólice, realizada em contrariedade à renúncia de tal faculdade, foi considerada nula.
Sobre o pagamento aos credores putativos, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que sua validade depende da demonstração da boa-fé objetiva do devedor. Para tal, seria necessária a existência de elementos suficientes que induzissem o terceiro a acreditar que a pessoa que se apresenta para receber o valor era, de fato, o verdadeiro credor.
Em contrapartida, a negligência ou má-fé do devedor poderia resultar em um duplo pagamento: um ao credor putativo e outro ao verdadeiro credor, sendo necessária a restituição de valores para evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes.
Para o ministro, no caso em questão, a seguradora não adotou as cautelas necessárias para assegurar que o pagamento do seguro fosse feito à verdadeira beneficiária.
Ao assumir a apólice coletiva, a seguradora deveria ter buscado obter todas as informações sobre o grupo segurado, incluindo restrições quanto à alteração dos beneficiários. Por não ter procedido dessa forma, a seguradora realizou o pagamento de maneira equivocada, tendo condições de saber quem era o verdadeiro credor. Portanto, não poderia invocar a eficácia do pagamento a credor putativo.
Ao final, a Terceira Turma do STJ negou provimento ao recurso especial da seguradora. O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, enfatizou que a seguradora falhou ao não adotar as devidas diligências para identificar corretamente o beneficiário legítimo, caracterizando uma negligência que a impediu de se escorar na defesa de boa-fé objetiva para validarem o pagamento a credores putativos.
Essa decisão ressalta a importância de observar rigorosamente as cláusulas contratuais e os compromissos judiciais firmados, especialmente em contratos de seguro de vida. Também destaca a responsabilidade das seguradoras em verificar e assegurar que os pagamentos sejam realizados aos verdadeiros beneficiários, conforme as obrigações acordadas e homologadas judicialmente.
A decisão do STJ estabelece um precedente significativo na interpretação de cláusulas contratuais vinculadas a compromissos judiciais, especialmente no contexto de acordos de divórcio. A determinação reforça a importância da boa-fé objetiva e da diligência por parte das seguradoras ao administrar e efetuar pagamentos de seguros de vida.
A decisão também serve de alerta para segurados e beneficiários sobre a necessidade de clareza e precisão nos acordos contratuais e judiciais, para evitar conflitos e garantir o cumprimento de direitos previamente estabelecidos.
A análise detalhada deste caso demonstra como o direito condicional de receber o capital segurado se sobrepõe à liberdade de modificação dos beneficiários, quando essa liberdade é renunciada em compromisso judicial.
Dessa forma, o direito da ex-esposa, garantido pelo acordo de divórcio, prevaleceu sobre a modificação posterior feita pelo segurado, resultando na nulidade da alteração e assegurando a indenização à verdadeira beneficiária do contrato de seguro de vida.
Leia Também