Partilha de Bens no Exterior em Divórcio Brasileiro: Uma Realidade Possível
A jurisprudência brasileira avança em favor da inclusão de bens internacionais na divisão de patrimônio conjugal
A globalização e a crescente mobilidade internacional dos indivíduos têm transformado a realidade das famílias brasileiras. Cada vez mais brasileiros decidem morar no exterior, seja por razões profissionais, educacionais ou pessoais, levando consigo suas famílias ou formando novas famílias em outros países.
Essa nova configuração social tem trazido desafios inéditos para o direito de família brasileiro, especialmente no que diz respeito à partilha de bens situados no exterior em casos de divórcio.
Os desafios são múltiplos. A divisão de bens acumulados em diferentes jurisdições exige uma compreensão profunda das legislações locais e da cooperação entre sistemas judiciais distintos.
A necessidade de garantir uma partilha justa e equitativa dos bens adquiridos durante a constância do casamento, independentemente de onde esses bens estejam localizados, coloca o judiciário brasileiro diante de situações complexas e, muitas vezes, inovadoras.
Nesse cenário, as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afirmam a viabilidade de incluir bens situados no exterior na partilha de patrimônio conjugal mostram que nossa justiça está atenta a essa nova realidade global.
Neste artigo, analisaremos detalhadamente a jurisprudência do STJ, suas implicações práticas e jurídicas, e como o direito brasileiro tem evoluído para atender às demandas de uma sociedade cada vez mais globalizada.
Análise do Julgamento do STJ no REsp 1912255/SP: A Jurisdição Brasileira e os Bens Situados no Exterior
O artigo 23, III, do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 estabelece que a jurisdição brasileira é a única competente para processar partilhas de bens situados no Brasil, excluindo qualquer outra jurisdição internacional. Essa norma tem como objetivo evitar que certas questões sejam julgadas por tribunais estrangeiros, assegurando que essas matérias sejam exclusivamente decididas em território nacional.
No entanto, a recíproca não é verdadeira, de modo que a justiça brasileira pode, sim, partilhar bens situados no exterior, conforme entendimento firmado pelo STJ.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1912255, destacou:
- "A regra do art. 23, III, do CPC/15, diz respeito à delimitação da jurisdição brasileira e tem por finalidade essencial colocar determinadas questões ou matérias à salvo da jurisdição estrangeira, impedindo que eventual decisão sobre elas produza efeitos em território nacional."
No trecho acima, o STJ deixa claro que a referida norma se aplica exclusivamente aos bens situados no Brasil, não abrangendo aqueles localizados no exterior. Em seguida, nossa Corte Superior é ainda mais explícita ao decidir sobre a possibilidade de partilha de bens no estrangeiro. Vejamos:
- "Não é possível extrair dessa regra a inviabilidade de partilha de bens de propriedade dos cônjuges situados no exterior, especialmente porque a eventual impossibilidade de execução da sentença brasileira com esse conteúdo em território estrangeiro é uma questão meramente hipotética, futura, incerta e estranha à partilha igualitária dos bens amealhados pelo casal na constância do vínculo conjugal e que pode ser contornada pela compensação de valores ou readequação dos bens que caberão às partes."
Essa interpretação dada pelo STJ reforça que a legislação brasileira não se limita a bens localizados apenas no território nacional, permitindo que a justiça brasileira inclua bens situados no exterior na partilha de patrimônio em casos de divórcio.
Essa decisão é crucial, pois reafirma a competência da jurisdição brasileira em lidar com a totalidade do patrimônio do casal, independentemente de onde os bens estão localizados. Tal entendimento é fundamental para garantir que todos os bens acumulados durante a união sejam devidamente considerados na partilha, assegurando justiça e equidade para ambas as partes envolvidas no divórcio.
Precedentes do STJ Já Garantiam a Partilha de Bens no Exterior Há Bastante Tempo
O julgamento em questão não foi o primeiro a abordar a partilha de bens no exterior, mas representa uma evolução significativa na jurisprudência brasileira. Em 2016, o STJ já havia se posicionado favoravelmente sobre a competência da jurisdição brasileira para dispor sobre bens situados no exterior.
No Recurso Especial 1552913/RJ, o tribunal afirmou: "Ainda que o princípio da soberania impeça qualquer ingerência do Poder Judiciário Brasileiro na efetivação de direitos relativos a bens localizados no exterior, nada impede que, em processo de dissolução de casamento em curso no País, se disponha sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens da sociedade conjugal aqui estabelecida, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha."
Esse precedente reforça a posição de que a justiça brasileira deve assegurar uma partilha justa e equitativa, considerando todo o patrimônio do casal, independentemente da localização dos bens.
No entanto, uma dúvida comum é como realizar a partilha desses bens de maneira prática. No tópico a seguir, exploraremos exatamente como isso pode ser feito.
Procedimentos Práticos para a Partilha de Bens Situados no Exterior
A Necessidade de Avaliação Idônea dos Bens Situados no Exterior e sua Conversão para Real
A partilha de bens no contexto de um divórcio já é uma tarefa complexa, e essa complexidade se amplifica quando os bens estão localizados em diferentes países.
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelas partes envolvidas e pelos tribunais é garantir uma avaliação justa e precisa dos bens situados no exterior. Além disso, é necessário converter essa avaliação para a moeda brasileira, o Real, para que a partilha seja equitativa e conforme a legislação nacional.
A avaliação idônea dos bens situados no exterior é crucial para assegurar que ambos os cônjuges recebam sua devida parte do patrimônio acumulado durante o casamento. Essa avaliação deve ser realizada por profissionais qualificados e independentes, que possuam o conhecimento necessário sobre o mercado imobiliário e/ou financeiro do país onde os bens estão localizados.
Os bens podem incluir imóveis, contas bancárias, investimentos, empresas e outros ativos de valor significativo. Cada tipo de bem requer uma abordagem específica de avaliação. Por exemplo, a avaliação de um imóvel em Nova York deve considerar os preços do mercado imobiliário local, enquanto a avaliação de uma empresa deve incluir uma análise detalhada de seus ativos, passivos e potencial de lucro futuro.
Uma vez realizada a avaliação idônea dos bens, é necessário converter o valor obtido para a moeda brasileira, o Real. Esta conversão deve ser feita com base na taxa de câmbio oficial de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo justiça. A taxa de câmbio pode variar significativamente, e é importante utilizar uma fonte confiável para garantir a precisão da conversão.
Sem essa conversão, seria impossível comparar diretamente o valor dos bens situados no exterior com os bens localizados no Brasil, o que poderia resultar em uma divisão desigual do patrimônio.
A conversão de valores de uma moeda estrangeira para o Real apresenta desafios adicionais. As flutuações cambiais podem afetar significativamente o valor dos bens, e é possível que haja uma variação considerável entre o momento da avaliação e o momento da partilha efetiva.
Para mitigar esses riscos, o tribunal pode considerar a utilização de uma média das taxas de câmbio de um determinado período ou aplicar outros mecanismos legais.
Além disso, as partes envolvidas devem estar cientes dos possíveis custos associados à conversão de moeda, como taxas de câmbio e impostos. Esses custos podem impactar o valor final dos bens a serem partilhados e devem ser levados em consideração durante o processo de divisão do patrimônio.
Execução de Sentenças Brasileiras no Exterior por Meio de Cooperação Internacional
Uma questão crucial que surge é como fazer cumprir uma decisão brasileira que inclui bens situados no exterior.
A solução para esse desafio é a homologação da sentença estrangeira no país onde os bens estão localizados. Este processo implica no reconhecimento da sentença brasileira pelo judiciário do país estrangeiro, possibilitando a execução da decisão naquele território.
O processo de homologação envolve procedimentos legais específicos que variam de país para país. Em geral, requer que a sentença brasileira seja traduzida e que se cumpra com os requisitos legais do país estrangeiro.
A cooperação jurídica internacional desempenha um papel fundamental nesse contexto, facilitando a comunicação entre as jurisdições e assegurando que a sentença seja reconhecida e executada de forma eficiente.
A cooperação jurídica internacional é frequentemente facilitada por tratados e acordos internacionais. Esses acordos estabelecem os termos e condições sob os quais um país reconhecerá e executará decisões judiciais de outro. No contexto da partilha de bens no exterior, esses tratados são cruciais para garantir que uma decisão proferida por um tribunal brasileiro possa ser efetivamente aplicada em outro país.
Por exemplo, a Convenção de Haia sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial é um tratado internacional que muitos países, incluindo o Brasil, assinaram. Este tratado facilita o reconhecimento mútuo de decisões judiciais entre os países signatários, o que é vital para a execução de sentenças de divórcio que envolvem bens no exterior.
Esse tipo de cooperação pode envolver a tradução juramentada de documentos, a obtenção de pareceres legais de especialistas em direito local, e a apresentação de petições aos tribunais estrangeiros.
Compensação de Valores e Readequação de Bens dentro do processo de divórcio no Brasil
A decisão do STJ também destaca a possibilidade de compensação de valores ou readequação dos bens partilhados.
Se a execução da sentença no exterior for inviável, os bens podem ser compensados por outros de valor equivalente situados no Brasil. Este mecanismo busca garantir a justiça e a equidade na partilha, permitindo que cada parte receba a devida proporção do patrimônio acumulado durante o casamento.
Conforme esclarecido pelo STJ: "A eventual impossibilidade de execução da sentença brasileira em território estrangeiro pode ser contornada pela compensação de valores ou readequação dos bens que caberão às partes."
Isso significa que, por exemplo, se um dos cônjuges possui um imóvel em outro país que não reconhece a decisão judicial brasileira, esse imóvel pode ser substituído por outro bem de valor equivalente no Brasil.
A compensação de valores é mais uma solução prática para os problemas de jurisdição e execução internacional. Além de garantir uma partilha justa, essa medida oferece uma flexibilidade necessária para adaptar-se às complexidades das relações patrimoniais modernas, onde bens podem estar dispersos por diversas jurisdições ao redor do mundo.
Considerações Finais
A globalização e a mobilidade internacional crescente dos brasileiros têm desafiado o direito de família no país, especialmente no que diz respeito à partilha de bens localizados no exterior em casos de divórcio. A justiça brasileira, atenta a essa nova realidade, tem evoluído para assegurar que a divisão de patrimônio seja justa e equitativa, independentemente de onde os bens estejam localizados.
As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacam a competência da jurisdição brasileira para incluir bens no exterior na partilha de patrimônio conjugal, reafirmando que a legislação nacional se adapta às necessidades de uma sociedade globalizada. A interpretação do STJ, ao julgar o Recurso Especial 1912255/SP, reforça que a partilha de bens acumulados durante o casamento deve considerar a totalidade do patrimônio do casal, garantindo equidade e justiça.
Os procedimentos práticos, como a avaliação idônea dos bens e sua conversão para a moeda brasileira, são essenciais para assegurar uma partilha justa. Além disso, a cooperação jurídica internacional facilita a execução de sentenças brasileiras no exterior, permitindo que as decisões judiciais sejam reconhecidas e aplicadas em diferentes jurisdições.
A possibilidade de compensação de valores ou readequação de bens, destacada pelo STJ, oferece uma solução prática para os desafios de jurisdição e execução internacional. Essas medidas são fundamentais para garantir que ambos os cônjuges recebam sua devida parte do patrimônio acumulado, adaptando-se às complexidades das relações patrimoniais modernas.
Em suma, a evolução da jurisprudência brasileira, aliada a práticas eficazes de cooperação internacional, assegura que os direitos dos cônjuges sejam protegidos de maneira abrangente e justa, refletindo o compromisso da justiça brasileira com a equidade em um contexto globalizado.
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